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terça-feira, 6 de novembro de 2012

De Felipe Melo

"Jean-Jacques Rousseau, um dos grandes inspiradores dos ideais que culminaram na sangrenta Revolução Francesa de 1789, acreditava piamente naquilo que se chama “bom selvagem”. Rousseau defendia que o homem era naturalmente bom, e que era a sociedade que o corrompia, deformando sua essência em algo vil e perverso. Para impedir esse processo de mutilação do homem, era necessário destruir a sociedade tal como era, substituindo-a por uma sociedade que resgatasse a natureza benévola inerente ao ser humano. O processo pelo qual essa nova sociedade – e, por conseguinte, o novo homem – deveria surgir passava necessariamente pela demolição dos valores sobre os quais a velha sociedade estava alicerçada; todas as instituições que trabalhavam para a manutenção da velha sociedade – a Igreja, a família, a Coroa, o ensino, a cultura, as artes – deveriam necessariamente ruir para que o homem voltasse àquela Era de Ouro há muito perdida e ansiada.

O que motivou o surgimento do mito do “bom selvagem” foi o impacto que o contato com tribos nativas no continente americano e na região do Pacífico causou no imaginário literário europeu da época, sobretudo nos séculos XVII e XVIII. Vistos literalmente como descendentes de Adão e Eva que pareciam não terem sido atingidos pelo pecado original, os povos indígenas eram idealizados como ajuntamentos de pessoas puras, inocentes, cujo isolamento da civilização as manteve à salvo de deturpações em sua conduta e deformações em sua alma. Sua vida seria marcada por uma perfeita integração com a natureza, venerada pelos povos nativos como algo tão sagrado que qualquer interferência humana era considerada sacrílega e abominável, dependendo unicamente da prodigalidade da Mãe Terra para tirarem seu sustento.

Exatos 250 anos após a publicação de sua obra “Do Contrato Social” (1762), o pensamento revolucionário de Rousseau e a errônea concepção do índio como uma criatura pura, inocente (e, acima de tudo, indefesa) são mais fortes do que jamais foram. Quando se toca na questão indígena, sobretudo no Brasil, existem determinados traços paradigmáticos: 1) o índio deve ser protegido como um indivíduo parcialmente incapaz, que não possui faculdades mentais nem aptidões humanas suficientes para fazer suas próprias escolhas; 2) sua cultura tradicional deve ser preservada a qualquer custo, mesmo que muitos índios a abandonem espontaneamente; e 3) seus comportamentos são ontologicamente imunes a qualquer crítica que o “homem branco” possa fazer, uma vez que eles são dotados daquela sabedoria natural intrínseca à natureza humana que foi perdida por todos aqueles contaminados pela mácula da civilização. Esse estranho dueto de infantilização e sacralização tem provocado algumas bizarrices verdadeiramente assustadoras."

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