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quinta-feira, 29 de março de 2012

Propaganda

No início a propaganda servia apenas para divulgação: “Seu fulano, de Cafundó do Judas, informa que possui uma roda de carroça em bom estado para vender”. Pronto, quem precisasse de uma roda de carroça, e não morasse muito longe de Cafundó do Judas, poderia ir até o seu fulano, negociar a sua roda.

Com a “evolução” a propaganda deixou de ser apenas um veículo para divulgação, e passou a ser um instrumento de convencimento. Atualmente a propaganda não se limita a anunciar que o seu fulano possui uma roda de carroça para vender. Ela nos convence de que precisamos de uma roda de carroça, que não podemos viver sem uma roda de carroça, mesmo que não tenhamos carroça. E no exato momento em que adquirirmos a roda do seu fulano, a propaganda vai nos convencer que aquela roda está ultrapassada, que boa mesmo é a do seu beltrano.

Assim a propaganda nos faz comprar o que não precisamos, nos faz comprar produtos que, de antemão, sabemos que não produzirão os efeitos anunciados, nos faz gastar o que não temos, nos faz escravos de produtos e marcas, como perfeitas marionetes.

Eu e qualquer leitor já fomos manipulados milhões de vezes pela propaganda, a maioria delas inconscientemente (quando compramos aquelas facas Ginsu tínhamos certeza de que precisávamos delas, não?). Mas há pelo menos dois momentos em que eu tive consciência de ser atingido pela propaganda. Acho que já contei para os leitores, mas contarei novamente:

- Em 1986 eu vivia numa pobreza franciscana. Assistia maravilhado à saga de Cristiano Vilhena em Selva de Pedra (2ª versão), que foi da miséria à fortuna em poucos capítulos. Sonhava em ser como o Cristiano Vilhena. Depois de ficar milionário, Cristiano Vilhena vai a um restaurante com um amigo. Come, pede a conta e faz um cheque. O garçom, de forma constrangida, alerta: “cavalheiro, não aceitamos cheques aqui neste estabelecimento”. O amigo de Cristiano Vilhena intervém: “mas este cheque é 5 estrelas (do Itaú)”, ao que o garçom replica: “desculpe, eu não tinha observado”, e aceita o cheque. Pronto, fui fisgado. Tão logo pude ter uma conta bancária, fui ser cliente do Itaú, e lá estou até hoje, apesar de o Itaú me tratar a chicotadas (um dia escreverei um texto narrando minha “saga” de cliente do Itaú...).

- Em 1998 adquiri meu primeiro celular digital. Cheguei em casa todo feliz, com o celular na caixa, anunciando para minha esposa. Sentamos os dois no sofá, eu para abrir e mostrar, ela toda curiosa para ver. A TV estava ligada. Enquanto eu abria a caixa entrou no ar uma propaganda com Luiz Fernando Guimarães e Pedro Cardoso, onde Pedro Cardoso pegava seu celular, falava “Luiz, e o celular do Luiz Fernando Guimarães começava a tocar. Inconscientemente eu larguei a caixa, nem terminei de abrir, levantamos e fomos jantar. Posteriormente eu tive celular com este recurso, mas nunca nem o usei, como acho que a maioria da população nunca utilizou.

A propaganda é capaz de nos convencer do contrário daquilo que sabemos por experiência empírica. Por exemplo, centenas de viagens já foram suficientes para me comprovar que viajar pela Tam é um inferno (como também pela Gol). No entanto, sempre que assisto à Ivete Sangallo fazendo propaganda da Tam, com o sorriso aberto, sinto instintivamente vontade de viajar...pela Tam.

Poderíamos até afirmar que a democracia acabou quando a propaganda chegou à política. A partir deste momento deixamos de votar no melhor candidato, ou na melhor proposta, e passamos a votar no melhor marqueteiro, que é um sujeito que nem conhecemos.

Mas atingir o campo político a propaganda deu um passo adiante – as notícias jornalísticas se transformaram em propaganda eleitoral, e pegaram os consumidores, digo, eleitores, totalmente desprevenidos, pois eles acreditam no jornalismo.

Vejamos o caso da candidatura Obama. Como observa Olavo de Carvalho, no texto abaixo, a mídia americana conseguiu transformar um desconhecido em presidente dos Estados Unidos, convencendo mais da metade da população americana de que eles precisavam de “mudança” e que somente o desconhecido Obama poderia ser o agente desta “mudança”. É o maior sucesso de marketing da história. Se perguntássemos a cada cidadão americano, o povo mais rico e obeso do mundo, que tipo de “mudança” desejavam, creio que o máximo que ouviríamos seria: “quero uma dieta que funcione”. No entanto, mesmo sem saber o que queriam que mudasse, mais da metade dos americanos urravam pelas ruas em 2008: “change!”, “change!”.

No Brasil aconteceu fenômeno semelhante. Não sei se os leitores recordam, mas em 2002 a imprensa nos convenceu que “era preciso mudar”. Até amigos meus, que tinham se construído profissionalmente durante os oito anos de mandato de FHC diziam: “não dá mais, tem que mudar”. Eu perguntava: mas tem que mudar exatamente o quê? E as pessoas respondiam com profundidade e conteúdo: “tem que mudar!” “tem que mudar!”. E a mídia informou que somente Lula poderia ser o agente da mudança.


Lula eleito, não mudou nada (exceto a corrupção, que passou a ser maior e tolerada por boa parte da imprensa). 2003 e 2004 foram anos de frustração com o governo Lula, e em 2004 o PT perdeu importantes prefeituras, como São Paulo e Porto Alegre. Outras, deixou de ganhar, por exemplo – tinham quase levado a prefeitura de Curitiba em 2000, e em 2004 perderam de lavada. Era um sinal de insatisfação. 2005 foi o ano do mensalão, e Lula só não perdeu o mandato porque o “pensador” FHC não deixou. Lula chegou ao fim de 2005 liquidado politicamente. 75% do seu mandato já tinha transcorrido, e o período era preenchido por falta de ação administrativa e corrupção a rodo. As pesquisas apontavam que o candidato do PSDB em 2006, quem quer que fosse, ganharia de lavada. Fomos todos (os não lulistas) curtir a virada do ano na praia, tranquilos e crentes de que 2006 marcaria o fim do poder petista em nível federal.

Mas, eis que enquanto gozávamos o nosso descanso nas praias os barões da mídia e do petismo se reuniram (será que eles precisam se reunir para este tipo de coisa, ou é instintivo?) e concluíram: “quem este eleitor acha que é para imaginar que pode pensar por conta própria?”, e também: “vamos mostra a essa gente com quem eles estão tratando”. E a partir de janeiro de 2006 foi como se o Lula morto politicamente do final de 2005 nunca tivesse existido. Em janeiro de 2006 fomos apresentados ao Lula imbatível e líder nas pesquisas. Este Lula que conhecemos hoje, que pensa que é Deus, é uma criação de janeiro de 2006. Para criar o “Super Lula” foram convocadas a imprensa falada, escrita e televisionada, os institutos de pesquisa e os artistas, que diziam: “gostaríamos muito de ver o senhor reeleito, presidente Lula”, ou aqueles que, como Paulo Bety, eram mais escatológicos: “não dá prá fazer política sem pôr a mão na m.” Antes de Lula eles não pensavam assim...

Lembro de uma cena patética – no começo de 2006, poucos dias após a divulgação da primeira pesquisa do “Super Lula”, eu fui visitar um cliente, cujo contador era petista. Logo que cheguei, ele já foi me mostrando a pesquisa. E eu, pateticamente tentando entender o que acontecia, “expliquei” que os eleitores que não votariam no PT ainda estavam na praia e os institutos não faziam pesquisa na praia. É incrível como a cada dia que passa descobrimos como éramos ingênuos no dia anterior.

Talvez Lula tenha se assustado com o prazo curto (apenas 10 meses) entre a criação midiática do “Super Lula” e as eleições. Assim, já no início de 2007 ele criou a “Mão do PAC”, e a mídia teve 4 anos para martelar isso nas nossas cabeças.

E assim segue o povo, imaginando serem eles próprios quem tomam as principais decisões de suas vidas. Comprando e votando.

Um comentário:

  1. Muito bom este texto.
    Eu também já tive meus momentos e me deixei manipular pela propaganda do banco Itaú. Tudo o que o Itaú me empurrava eu comprava para conseguir as famosas 5 estrela, mas meus pontos nunca eram suficientes , então desisti.
    Mais de 15 anos depois o Itau me enviou um cartão e um talão de cheque 5 estrela e eu nem havia solictado.

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