“Era o ambiente propício para a emergência do Líder – aquele que paira acima do povo, encarna expectativas salvacionistas e reduz todo o aparato de Estado a uma mera expressão de seus desígnios. Arendt detém-se longamente em demonstrar como o Estado totalitário se distingue de um regime tirânico comum. As ditaduras constroem aparatos de segurança para eliminar os opositores políticos. O totalitarismo começa a se revelar exatamente no momento em que, não havendo mais oposição política interna, as estruturas policiais se voltam contra diferentes setores da população, entre os quais a propaganda governamental elege o “inimigo objetivo”. As coisas não cessam aí: o aparato repressivo totalitário se volta contra seus próprios integrantes, permanentemente removidos de postos dirigentes, acusados de participação em complôs ou de relacionamentos suspeitos – o importante é que nada permaneça estável.”
“O totalitarismo tem horror à estabilidade e cultua o movimento. Isso significa transformar constantemente as leis as instituições, os valores, os inimigos, de tal modo que se percam as referências políticas habituais e o absurdo assuma a condição de realidade.”
“E se as pessoas aceitaram passivamente tais fantasmas, foi porque o estilhaçamento dos laços sociais havia isolado de tal modo os indivíduos que eles transferiram ao Movimento sua lealdade cega e suas expectativas.”
“Enquanto isso o Líder assumia o papel de porta-voz das massas, o que na prática significava roubar-lhes a voz e as individualidades. Em contrapartida, como cada pessoa agia em conformidade com uma ordem superior, ninguém podia ser com efeito responsabilizado por suas ações. E quando a verdade de ontem passava a ser a mentira do dia seguinte, aqueles que estavam lá exatamente para cumprir tais determinações caíam em desgraça. O medo instalava-se no coração de todos e ninguém podia confiar em ninguém. Investindo na propaganda, no temor e na fragmentação da sociedade, o Estado totalitário eliminava a capacidade de iniciativa e a liberdade de escolha que caracterizam o ser humano.”
Págs. 336 e 337 de O Mundo em Desordem, de Demétrio Magnoli
domingo, 29 de janeiro de 2012
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