"Leia abaixo o texto que Nelson Ascher escreveu para a VEJA online:
*Poeta premiada, dramaturga e ensaísta, professora de estudos afro-americanos da Universidade de Yale, Elizabeth Alexander (foto) declamou, durante a posse de Barack Obama, um poema que compusera para a ocasião (para ver no Youtube, clique aqui; integra do poema aqui).
Apesar dos preconceitos que a envolvem, a poesia de encomenda, laudatória e pública conta com uma tradição respeitável que, passando pelos poetas laureados da Inglaterra e da Escócia, pelos bardos das cortes medievais do País de Gales e da Escandinávia, pelas baladas anônimas que exaltavam vitórias ou lamentavam derrotas, remontam aos mais remotos tempos tribais.
Convém tampouco esquecer que odes a Lênin, Stálin e demais tiranetes do Leste europeu encheriam várias estantes numa biblioteca.
Antes de comentar o poema, seria interessante tentar saber por que, entre as centenas ou milhares de poetas em atividade nos EUA, muitos deles mais famosos e reconhecidamente melhores, teria sido ela a eleita para uma tarefa que outros desempenhariam com igual prazer e talvez maior competência. Afinal, uma coisa é certa: se duas ou três gerações atrás havia poetas e poesia para todos os gostos e preferências ideológicas, poetas de extrema esquerda, comunistas, trotskystas, socialistas ou anarquistas, poetas de extrema direita, nazistas, fascistas, franquistas, poetas apolíticos e até um ou outro raro centrista ou democrata, hoje 99% dos versejadores do planeta, compartilhando uma visão fechada de mundo, alinham-se, juntos, à esquerda. Entre eles, todos estão politicamente de acordo, cada qual versifica à sua maneira o slogan "outro mundo é possível" e quem discorde não é apenas criticado: ele ou ela deixa, no ato, de ser considerado poeta.
Não há por que pôr em dúvida que a quase totalidade dos poetas norte-americanos votou em Obama e cantaria jubilosamente sua chegada à Casa Branca. Que Alexander seja mulher e afro-americana, ou seja, o fato de que ela satisfaz dois pré-requisitos da correção política, deve seguramente ter contribuído para sua escolha.
Seu "Canto de Louvor para o Dia", arrolando, de início, algumas dentre as atividades desencontradas que ilustram o cotidiano, interrompe de súbito a enumeração com a afirmação dramática (ou melodramática) de que muitos teriam morrido para que esse dia chegasse. Morreram como? Na Guerra Civil Americana, quem sabe, que resultou no fim da escravidão, ou na luta pelos direitos civis dos negros nos anos 50/60 — embora o texto enfatize sobretudo o afã dos trabalhadores que construíram ferrovias, ergueram pontes e edifícios, colheram algodão e alface. O poema se encerra, então, convocando todos à prática de um amor universal que supere o individual, familiar ou nacional, e chega logo à previsível chave-de-ouro: a luz sob e rumo à qual se estaria caminhando."Canto de Louvor para o Dia" descende, tanto temática quanto estilisticamente, da obra do poeta nacional americano: Walt Whitman. Assim como os versos deste, os de Elizabeth Alexander, se bem que menos explicitamente grandiloqüentes, apresentam a poeta como porta-voz de uma comunidade que se auto-homenageia através dela. As cadências dos versos livres, as enumerações que poderiam se estender ao infinito, a aceitação otimista de um futuro melhor preparado pelas gerações anteriores são similares e típicas e, se Whitman cantou a morte de Lincoln, Alexander comemora a epifania de seu sucessor auto-nomeado e pré-ungido. Seria, é claro, injusto esperar dela um poema cerebral, crítico e nuançado numa ocasião dessas.
Por outro lado, independentemente do que se pense do novo presidente, a solenidade mereceria uma composição menos banal. Seja como for e por mais esquecível que seus versos sejam, eles refletem à perfeição o deslumbramento ingênuo e a falta absoluta de ceticismo que tomaram conta dos EUA e do resto do mundo. "
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário