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sábado, 7 de novembro de 2009

Levei um susto

Dercy Gonçalves, beirando os 100 anos, levava um susto toda manhã ao acordar: “PQP, ainda estou viva”.

Levei um susto ao acordar hoje – 40 anos, eu?

Mas ainda ontem eu era um menino.

Ainda ontem eu ganhava minha primeira camisa do time do coração – camisa número 3 do Internacional, usada por Elias Figueroa, o craque da época.

Os Natais maravilhosos da infância aconteceram ... ainda ontem.

Ainda ontem curti as festinhas de aniversário, organizadas por minha mãe e por minha avó.

As travessuras com a turma foram ainda ontem.

Ainda ontem minha mãe me dava bronca pelas notas baixas na escola. E a alegria pela aprovação ao final de cada ano eu sentia ainda ontem.

Ainda ontem brincava com minhas cadelas Biluca e Akiri, ambas mortas no início da década de 80. Vou chamá-las, e virão abanando o rabo.

E os brinquedos que ganhei ainda ontem?

Não foi ainda ontem que eu corri pelas ruas sem preocupação com violência?

Mas, estranho, essa dor de coluna eu não sentia ainda ontem...

40 anos, eu?

Os anos passaram e, sinceramente, nem percebi. Por isso o susto ao acordar e me ver com 40 anos de idade.
Nós, seres humanos, somos eternos insatisfeitos. Mas, honestamente, não posso reclamar dos 40 anos vividos. Reclamo apenas da velocidade com que passaram. Parafraseando o poeta comunista Pablo Neruda, poderia dizer – “confesso que vivi”. Brinquei muito, aprontei muito, estudei bastante, trabalhei desde cedo, me casei quatro vezes, tive alegrias e tive tristezas, ganhei algumas, perdi outras, li bons livros, assisti bons filmes, construí um pequeno patrimônio, e viajei pelo mundo. E sigo na luta, dia após dia.

Um pouco deprimido, confesso, pela data. Não consigo deixar de me sentir como se estivesse vivendo uma espécie de “virada do cabo da boa esperança”.

E o mundo, nesses 40 anos?

Concordo com o texto de Nelson DeMille, que agora faz parte do cabeçalho fixo deste blog. Víamos o futuro como algo bom, e tínhamos excelentes expectativas. O mundo seria cada vez melhor, e desejávamos viver este futuro promissor. O mundo seria um lugar de liberdade, paz, prosperidade e de tecnologia a serviço do homem, da vida e da ciência. Mas, à medida em que se aproxima, o futuro começa a parecer mais e mais como um lugar onde não queremos estar. Com algo que não desejamos ver.

No aspecto profissional, o mundo moderno se transformou numa espécie de hospício global. Trabalhamos sem parar, seja em nossos escritórios, seja em qualquer lugar em que estivermos, pois o trabalho está sempre em nossas mentes, e estamos pensando em soluções para problemas profissionais. Abrimos mão dos horários, incluindo aí o horário de almoço. Abrimos mão dos finais de semana, afinal, no meu caso, meus clientes espalhados pelo mundo trabalham sem parar, e esperam que eu esteja sempre à disposição. E em qualquer lugar do mundo onde eu estiver, serei encontrado pelo e mail e pelo celular. Até no banheiro.

Ainda ontem, quando eu era um menino, minha família se reunia para almoçar, todos os dias. Hoje, muitas vezes me contento com um misto-quente, devorado em frente ao computador, enquanto respondo e mails, termino relatórios, ou participo de tele-conferências.

No aspecto civilizacional vivemos uma era de desconstrução, onde a barbárie, de onde lutamos por milênios para sair, parece ser o objetivo a ser perseguido.

No aspecto político vivemos a era da mercantilização democrática, do toma lá dá cá escancarado, do populismo, da corrupção sem-vergonha, da desesperança, da falta de boas idéias. Vemos idiotas alçados à condição de líderes. De líderes de idiotas. E a ameaça bolivariana nos ronda.

No aspecto humano vivemos a era em que o brilho da chama da inteligência humana se ofusca.

No aspecto religioso vemos a morte, a guerra e a miséria mundo afora, em nome de Deus. E a transformação de igrejas em balcão de negócios.

No aspecto familiar vemos filhos que dominam pais. Vemos pais que, de condutores, se transformam em conduzidos. E assim asseguram que o amanhã será ainda pior.

No aspecto da educação vemos instituições de ensino que conseguem deseducar, que conseguem formar cidadãos mais despreparados do que eram ao início de seus cursos.

No aspecto cultural e artístico, vemos a produção alinhada com o processo de imbecilização coletiva, mais preocupada em alienar do que em fazer pensar. E vemos figuras da área enlouquecidas apenas atrás de relacionamentos amorosos e de verba pública.

No aspecto esportivo, vemos o atleta beijar o distintivo de um clube hoje e, semana que vem, beijar o distintivo do clube que fizer uma oferta melhor.

No aspecto ético, “nunca antes na história” desse mundo os fins justificaram tanto os meios.

E a saúde? se transformou num grande mercadão onde quem paga, vive, quem não paga, morre.

E a segurança? Dá bobeira prá você ver.

E o Brasil nesses 40 anos?

Conseguiu o prodígio de ser o lugar onde todos, da direita à esquerda, da classe A à classe Z, pensam a mesma coisa a respeito do país: Dane-se!

Olhando para o Brasil e para o mundo chego aos 40 anos me sentindo deslocado, fora deste tempo, meio perdido no tão aguardado século XXI. No entanto, o problema é comigo, pois vejo meus contemporâneos perfeitamente integrados ao mundo moderno.

Chegar aos 40 é melhor do que ficar pelo caminho. E chego agradecendo a todos que convivem comigo por “me aguentarem”.

Mas é triste olhar para o mundo e desconfiar que o melhor ficou para trás.

Um comentário:

  1. Parabéns , feliz aniversário.Parabéns também por este excelente texto, alias como sempre. Sucesso e não desanime.

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