Trechos das páginas 222 e 223 do livro Pós-Guerra, de Tony Judt:
"Todavia, na França o atrativo por soluções violentas representava mais do que uma simples projeção da experiência recente. Era também o eco de um velho legado. Acusações de colaboracionismo e traição, pressões a favor de punição e de um novo começo não tiveram início com a libertação. Eram a lembrança de uma antiga tradição francesa. Desde 1792, os pólos revolucionário e contra-revolucionário da vida pública francesa exemplificavam e reforçavam a divisão binária do país: a favor ou contra a monarquia, a favor ou contra a revolução, a favor ou contra Robespierre, a favor ou contra as constituições de 1830 e 1848, a favor ou contra a comuna. Nenhum outro país tinha uma experiência tãolonga e ininterrupta com a política bipolar, sublinhada pela historiografia costumeira do mito revolucionário nacional, inculcado em colegiais franceses havia muitas décadas.
Além disso, a França, mais do que qualquer outro estado-nação ocidental, era um país cuja intelectualidade aprovava e até reverenciava a violência enquanto ferramenta de políticas públicas. George Sand registra uma caminhada às margens do Sena, ao lado de um amigo qye defendia, urgentemente, a hipótese de uma sangrenta revolução do proletariado: "somente quando o Sena correr vermelho", ele explicava, "quando Paris arder e os desvalidos ocuparem o lugar que lhes cabe de direito, a justiça e a paz hão de prevalecer". Quase um século mais tarde, exatamente, o ensaísta inglês Peter Quennell registrou, no periódico New Statesman, "a quase patológica veneração da violência que parece dominar tantos autores franceses".
Quando Sartre e seus contemporâneos insistiam que a violência comunista era uma forma de "humanismo proletário", era a "parteira da história", estavam sendo mais convencionais do que supunham.
A familiaridade da violência revolucionária para o imaginaire franc~es somada às lembranças tingidas de sépia da antiga aliança franco-russa predispuseram os intelectuais franceses a acolher, com simpatia, as desculpas apresentadas pelos comunistas para a brutalidade soviética. A dialética também ajudou o processo. Comentando o julgamento de Slansky nas páginas do Temps Modernes, de Sartre, Marcel Péju fez lembrar aos leitores que não há nada errado em matar inimigos políticos.
Intelectuais franceses em visita ao bloco soviético ficaram mais liricamente entusiasmados do que a maioria dos colegas ao contemplar o comunismo em construção. Assim, o poeta surrealista Paul Eluard, dirigindo-se a uma platéia (sem dúvida, confusa) em Bucareste, em outubro de 1948, disse o seguinte: "venho de um apís onde ninguém mais ri, onde ninguém canta. Mas vocês descobriram o raio de sol da felicidade".
Em 1948, depois do golpe tcheco, Simone de Beauvoir expressou certeza de que os comunistas caminhavam para a vitória em todos os locais."
Cabe lembrar que quando Sartre e Simone de Beauvoir visitavam o Brasil, eram entusiasticamente recebidos e paparicados por Fernando Henrique Cardoso.
Continuemos com um trecho da página 227 do livro:
"Escritores, artistas, professores e jornalistas costumavam admirar Stalin não apesar de seus defeitos, mas por causa de seus defeitos. Era quando Stalin exterminava pessoas em escala industrial, quando os julgamentos forjados mostravam o lado mais teatral e macabro do comunismo soviético, que homens e mulheres que estavam fora do alcance do líder soviético sentiam-se mais fascinados por ele e por seu culto. Era o abismo absurdo que havia entre a retórica e a realidade que tornava tudo tão irresistível a homens e mulheres de boa vontade em busca de uma causa."
sábado, 11 de julho de 2009
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