Trecho de Uma Breve Teoria do Poder, de Ives Gandra Martins:
“Os despreparados também desejam o poder. Seu grande problema é, à evidência, o despreparo. Quanto mais despreparados são – quando mordidos pela mosca azul do poder político – tanto mais denodados se mostram em ambicionar o poder, na certeza de que as injustiças sociais e a corrupção endêmica necessitam de salvadores da pátria como eles. São tanto mais messiânicos quanto mais ignorantes e tanto mais voltados à demagogia – que espalham -, quanto mais analfabetos! Sua incultura enciclopédica fá-los almejar a totalidade do poder para exercer plenamente suas idéias – quando as têm -, não estruturadas ou alicerçadas no conhecimento, as quais provocam quase sempre o caos e a desordem, se não buscam bons conselheiros. E, se os buscam, passam a ser orientados pela cabeça alheia, pois seus conselheiros é que conhecem os problemas e dispõem de bagagem cultural para implementar suas soluções.
O despreparado tende a ser despótico. No seu despreparo, não vê, nos adversários, pessoas com opiniões divergentes, mas, inimigos, pois não aceitam sua inferioridade intelectual. Muitas vezes, se gabam de seu valor, porque conseguiram ascender a postos elevados . Em parte, têm razão, porque conseguiram chegar ao poder, sem saber como; e, em parte, não, pois o seu despreparo tira-lhes o dom da ponderação e o pleno conhecimento dos fatos, acontecimentos e atos que envolvem o exercício do poder.
Pensam que, por serem despreparados, encarnam o espírito do povo, que, na maioria de seus integrantes, é também despreparado. Exercem, todavia, o poder com truculência, quando têm força.
Veja-se os casos de Morales e Chávez, dois chefes de Estado sub-desenvolvidos, que, histrionicamente, defendem o poder conquistado pela manipulação do povo e pelo apoio militar, - como se legítimo fosse e perpétuo devesse ser.
Thierry Paquet, no prefácio para o livro La Troisième Revê de Ignácio Sachs, inverte a definição de “pessimista”, que para ele é um otimista bem informado e não, como usualmente se diz, que o otimista é um pessimista mal informado.
O certo é que o despreparado, vê, no exercício do poder, uma conquista pessoal que lhe dá todos os direitos.
John Rawls, ao manifestar o que entende por uma sociedade bem organizada, esclarece que é aquela em que os cidadãos contribuem para que todos tenham direitos e possam exercê-los livremente. Esta organização permite que os mesmos exerçam a justiça como uma teoria da equidade. Rawls admite, nestes casos, que as teorias abrangestes, que pretendem solucionar muitos aspectos da vida social mas não todos, assim como as teorias gerais que abrangem todos, possam conviver. Para que isto aconteça é necessário, todavia, que os parceiros coloquem o consenso por justaposição em primeiro lugar, com o que a sociedade bem organizada, de cidadãos livres, torna estáveis suas instituições e permite que seus governos sejam livremente escolhidos por parceiros de igual percepção.
No seu modelo ideal, o poder não poderia ser conquistado pelos despreparados. Trata-se, evidentemente, de teoria inaplicável no mundo de hoje, pois os despreparados povoam o cenário da maioria dos países, muitos deles na África e no próximo oriente. Alguns destes povos permitem tal nível de manipulação por parte daqueles que detêm a força, que se vê, à luz de promessas transcendentais, o sacrifício de seus seguidores, que se transformam, muitas vezes, em “pessoas bombas”.
O despreparado não gosta que lhe lancem no rosto o seu despreparo. Assim, quando isto ocorre, sua reação é quase sempre truculenta. É que, nas poucas oportunidades em que procura fazer uma auto-análise – alguns a fazem – percebe que, efetivamente, sua ignorância é enciclopédica.
Max Weber via, na política e na universidade, uma possível integração virtuosa para a preparação de líderes reais, capaz de conformar um exercício político civilizado. Mas, a própria universidade não representa garantia de que o político despreparado se prepare. É que a universalização do ensino só se faz à custa da redução da qualidade da educação. Embora muito mais pessoas tenham hoje, no mundo moderno, acesso ao estudo, a maioria das instituições de ensino se mostram incapazes de ofertar a mesma qualidade das grandes e tradicionais instituições.
A universalização do ensino universitário é uma conquista, mas o mérito deixou de ser o requisito primordial. A diferença de qualidade é uma realidade e muitos dos que têm diploma universitário continuam despreparados, embora pensem que isso os qualifica para exercer o poder.
O certo é que, quando uma pessoa despreparada alcança o poder, o estrago que pode fazer é muito maior do que os outros que o ambicionam. Quase sempre, a violência e a desestruturação do país são as conseqüências de sua ação, enquanto não é retirado do cargo que ocupa pelo voto, na maioria das vezes, viciado, ou pela força. E, decididamente, o presidencialismo facilita a tomada do poder pelos despreparados, com boa dose de demagogia.”
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
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